quinta-feira, julho 17, 2014

Caracol do tempo

Nas aventuras de David Luiz depois do hexa que não veio,
a manteiga ainda foi
o lado escolhido pelo pão
para cair no chão.
Nas aventuras de David Luiz depois
do hexa que não veio,
o sangue continua vermelho
a escorrer em rios
pelo solo brasileiro.
Nas aventuras de David Luiz
depois
do hexa que não veio,
o peixe-boi, o boto,
o dente do elefante
e a linha do horizonte
ainda valem um bom dinheiro.
Nas aventuras
de David Luiz
depois
do hexa 
que não veio,
as dentaduras
das senhoras maduras 
de tão gastas
já não mordem
a contento.
Sobraram comidas nos pratos,
que pararam nos lixos
durante todas 
as aventuras
de David Luiz
depois do hexa que não veio.
A guerra continua
para todo guerreiro.
O metrô se arrasta
de tão pesado
espremendo os passageiros.
As árvores crescem tortas
em meio aos fios de eletricidade.
As múmias seguem mortas
dentro dos sarcófagos do Egito:
as almas aprisionadas nas pirâmides; embrulhadas
em ataduras, as carnes
eternamente afastadas
dos vermes.
Nas aventuras 
do zagueiro
depois do título
que escapuliu
meu nome é Schweinsteiger,
o último que riu.

quarta-feira, julho 09, 2014

Manhã de feriado

Casais dormem até o meio-dia
depois da madrugada acesa.

A folha da árvore que não sei
o nome flutua sobre a praça XV
sem tocar a perna de ninguém.

Porteiros de prédios vizinhos
conversam aos gritos nos portões,
mas ninguém os ouve.

Os pássaros cantam espaçados.
Cães dormem enrolados.
O mendigo da Visconde de Inhaúma
traga o meio-cigarro que encontrou
ontem.

Berra pela rua o motor do circular
com motorista, cobrador,
senhor e senhora dentro.

Nos hospitais, os doentes respiram 
lentamente e continuam a morrer.

Maria Eugênia decide abandonar
a TV e assar um bolo de fubá.
Tobias interrompe um pensamento
para se lembrar de como é engraçado seu nome.
Carolina de repente abre os olhos e
agradece por ser ainda 8:33.

A moça do braço malhado
caminha à academia aberta até o 
meio-dia.

Chama a atenção do dono da banca
de jornal, que resolveu ele mesmo 
abrir as portas para não
arcar com 100% de hora extra.

O garoto desperta na cama dos pais
e cai em angústia
quando se lembra dos 7 gols da
Alemanha.

Minha avó espia a rua arcada
no gradil da sacada.
Um fantasma passa e ela não repara.

Um barulho de helicóptero
abafa o som de uma trepada.

Minhocas cavucam a terra do quintal
e as galinhas escolhem as mais gordas
para comer.

De repente, cheiro de incenso.

Na padaria, a freguesa bonita
pede para funcionária estranha
fatiar bem fino o presunto
e segura o pum para continuar bonita.

Céu com nuvens
feito ruas com trânsito.

segunda-feira, julho 07, 2014

As tardes

Passam as tardes com as bundas sentadas
em desajustadas poltronas de escritório
enquanto as nuvens deslizam seus corpos
de gás e alvor pela transparência
que permeia os imensos blocos
cinzentos e angulares destas cidades.
Perdem a vida os cotovelos
apoiados em ripas de compensado
que custaram mais do que valem
e cinzas e lisas como nunca
na natureza.
E os fios.
Atravessam os muros, preenchem os furos,
soçobram nos rios. E vão.
Transmitem cliques descompassados
carregam nos ombros as indomáveis angústias
e trazem em rédeas curtas o sapato
comprado cinquenta por cento off,
três vezes no cartão,
bem como a garota branca como as nuvens
mamas duras como o concreto
cabelo críseo feito os raios retilíneos
do sol
que não chegam até o escritório
devido a eterna sombra deitada
pelo Conjunto Residencial
Mont-Blanc.