quarta-feira, novembro 01, 2023

Imóvel contínuo

O que passou, pode passar mais uma vez.
Você é o mesmo que fora antes.
A água que corre pelas terras
é a mesma que já a espera no mar.

A flecha que se atira, se atira novamente, por que não?
A palavra dita é desdita quase sempre.
O que foi, volta e vai-se embora o quanto queira.
O mundo gira feito um pião 
sobre um bambolê que dança na cintura dura do nada.

Bis, replay, déjà vu.

Meu coração se atira em direção ao seu
e volta com um pedaço de você para mim.
Eu sigo sendo eu, somado ao seu.
Você segue sendo você, tirando o para mim.
Atire agora o bumerangue e colha 
sua parcela móvel desta estátua sem fim.

terça-feira, outubro 17, 2023

Um presépio em plena Páscoa

Um presépio em plena Páscoa
significa que a Paixão começa
quando de pequeno nasce
o Espírito, de propósito,
emaranhado na Carne.

Carne que fica pendente nos pregos,
antecipados nas palhas que cutucam
as peles do menino.

O Espírito logo volta e requer o que é seu.
E dessa vez é a Carne que renasce,
por livre escolha,
enredada em Deus. 

Fruto carcomido

E se a serpente, na verdade,
era um bichinho da maçã,
que Eva, na mordida,
engoliu
e lá dentro
o pecado criou lombrigas?

quinta-feira, janeiro 19, 2023

Antisséptico

Teu cachorro come cocô.
Teu gato cospe pelo.
Tua filha futuca o nariz e põe na boca.
Tua mulher menstrua.
Teu filho não escova os dentes.
Teu pai tem caspa que cai nos ombros.
Tua mãe tira com a mão o arroz molhado 
do ralo da pia.
Teu irmão peida.
Teu tio arrota.
Teu primo baba e catarra no chão
sob o qual seus avós ainda fedem.

Mas você, Olimpo, não.

segunda-feira, maio 13, 2019

Viagem de volta

Pequenos pedaços de partículas perdidas.
Vaquinhas enfileiradas ao lado da cerca.
Ultrapassagens ultraperigosas que aceitamos de garganta seca.
Porquês que fazemos toda questão de não responder.
Árvores vadias que não param de crescer.
Mensagens do Evangelho. Palmeiras tristes.
Faróis acesos. Cheiro de pum.
Viagem de volta para lugar nenhum.

quarta-feira, outubro 31, 2018

As ciências inexatas

Gravatas com adornos metálicos
impingem dor a qualquer um.

Dinossauros que cabem
nos bolsos de nossas camisas.

Porta entreaberta e janela gradeada.

Meu amigo cósmico pediu um copo
d'água sanitária e voltou para o sertão.

Quantas dores sentem os senhores
que povoam as praças?

A Rússia voltará a importar carnes brasileiras.

Clique para ler a matéria,
antes que o infinito irrompa o fluxo temporal.

terça-feira, outubro 30, 2018

O solipsista

A asa azulada.
A gravata apertada.
A página rasgada.
João!

O liquidificador.
O juiz doutor.
O fio condutor.
Jasmim!

A viagem espacial.
A noite nupcial.
A dor estomacal.
Quindim!

O carro importado.
O leite condensado.
O cheque compensado.
Trovão!

segunda-feira, outubro 08, 2018

Bolhas de sabão de coco

Pedaços de coisas passam
pelos vãos das janelas gradeadas do escritório.

Uma cabeça que fuma.
Braços direitos que sustentam bolsas.
Nuvens brancas, outras escuras.

Não sei bem fazer frases complicadas.
As palavras não ficam onde as gostaria.

Olhe lá, quem lá vem.
Tão grande, que não o avisto por inteiro.
Lento de tal jeito que caminha, mas chega nunca.

Deu minha hora,
bato o ponto,
vou-me com o vento.