quarta-feira, outubro 31, 2018

As ciências inexatas

Gravatas com adornos metálicos
impingem dor a qualquer um.

Dinossauros que cabem
nos bolsos de nossas camisas.

Porta entreaberta e janela gradeada.

Meu amigo cósmico pediu um copo
d'água sanitária e voltou para o sertão.

Quantas dores sentem os senhores
que povoam as praças?

A Rússia voltará a importar carnes brasileiras.

Clique para ler a matéria,
antes que o infinito irrompa o fluxo temporal.

terça-feira, outubro 30, 2018

O solipsista

A asa azulada.
A gravata apertada.
A página rasgada.
João!

O liquidificador.
O juiz doutor.
O fio condutor.
Jasmim!

A viagem espacial.
A noite nupcial.
A dor estomacal.
Quindim!

O carro importado.
O leite condensado.
O cheque compensado.
Trovão!

segunda-feira, outubro 08, 2018

Bolhas de sabão de coco

Pedaços de coisas passam
pelos vãos das janelas gradeadas do escritório.

Uma cabeça que fuma.
Braços direitos que sustentam bolsas.
Nuvens brancas, outras escuras.

Não sei bem fazer frases complicadas.
As palavras não ficam onde as gostaria.

Olhe lá, quem lá vem.
Tão grande, que não o avisto por inteiro.
Lento de tal jeito que caminha, mas chega nunca.

Deu minha hora,
bato o ponto,
vou-me com o vento.

quinta-feira, maio 17, 2018

Biologia

O micro system Aiwa carrossel com cinco cds que habita minha mente, esta manhã, tocou:
Hoje é festa lá no meu apê.
Poderosa, rainha do funk.
A Nona Sinfonia de Beethoven.
O plantão da Globo.
E as flores de plástico não morrem.

O estômago de avestruz que reside sob minha pança, esta tarde, digeriu:
Um enroladinho assado de presunto e queijo.
Uma Coca zero um pouco quente.
Quatro xícaras de café um tanto frias.
Um sapo.
Seu batom vermelho.

Os pés de pato que uso nas aulas de natação, esta noite, me ajudaram:
A nadar feito um peixe.
Tal qual borboleta.
Como um cão.
Mas, não evitaram o iceberg e que,
como Jack, eu afundasse.

quarta-feira, maio 02, 2018

O que eu gostaria de ver nesta vida

Se tem uma coisa que eu gostaria de ver nesta vida é uma invasão alienígena.

Surgir, do nada, do meio das nuvens brancas e cinzas, uma navona em formato de prato.
E, de repente, sair dela um monte, um milhão de navinhas pequenininhas, tipo caças alien.
Cada uma voar prum canto e tomar todo planeta, para a glória da inteligência extraterrestre.

Até a Groenlândia. Até o Polo Sul, o local certinho, lá onde nem pinguim chega.
O quartinho de empregada da casa da minha vó, que nunca viu empregada nenhuma, só tralha velha.
A lanchonete nova que abriu naquele prédio da avenida onde nunca vira nada - e nem rato se aproxima.
O lugar onde Judas perdeu as botas.
O túmulo do Soldado Desconhecido.
Uru.
A sala onde o Palmeiras guarda o Mundial.
Dominação total.

Seria muito louco.
Todo mundo escravizado. Levando chibatadas duns chicotes feitos de raio laser, de elétrons, essas merdas.
Tendo que levar pra nave-mãe todas as nossas riquezas. Ouro, diamante, esmeralda - que a gente ia ter que morrer pra cavoucar das profundezas. Arrancar uma por uma todas as árvores da Amazônia. Matar todas as baleias, sangrar todos os ursinhos panda. Entregar nossas crianças. Nossos álbuns de figurinhas. Sem dó de nada.

Um pobre ia apontar e dizer: olha lá rei da Dinamarca carregando pedra!
Outro pobre ia apontar pro primeiro pobre e afirmar: nós também, como sempre!
E os ETs cabeçudos, com as mãos na cintura, assistindo todo mundo trabalhar até a última ponta.
E o chefão de todos eles ia dar aquela gargalhada HAHAHAHAHA quando a navona ficasse pesada dum tanto que quase não conseguisse mais voar.

Mas, ia voar sim, decolar balançando, derramando coisas grandes em nossas cabeças, matando quem porventura ainda estivesse semivivo.

Iriam embora.
E a gente ficaria.
Esperando, de Alcácer-Quibir, a volta do rei Dom Sebastião.

quinta-feira, abril 26, 2018

Agência

Só observo.
Paro, apoio os braços no cabo do meu rodinho e observo.
Gente que entra, gente que sai.
Esta é a vida: pagar contas, sacar notas, tomar emprestado e não conseguir quitar.
Nomes mais sujos que a sola de seus sapatos.
Que mancham o chão que todo dia limpo.
Não reclamo. É meu ofício.

Lá vem uma senhora. Não notou o aviso:
"Cuidado, piso molhado".
Quanta benção. Chegou sã e salva ao caixa preferencial.
Deus protege os aposentados.
Ou eu que joguei pouco sabão. Hmmm...

Meu rodinho é minha arma.
Contra os germes e os seres humanos.
Esfrego e me calo, aguardando a ação dos produtos químicos.
Borbulham na superfície do laminado, eu noto -- e mais ninguém.
Em alguns metros quadrados há pureza nesta Terra.
Graças a mim.

Chega o fim do expediente.
Sou eu quem apaga a luz.
Me despeço do vigia e dos valores.
Gostam, ambos, da escuridão.
Até, notas. Até, servidor. Não tome um tiro por nós hoje.

Minhas botas não entram em casa.
A sujeira, porém, vem pela TV.
Notícias dum mundo velho, que cansou de girar em si.
Só observo, apenas observo. Sem sentir.
O sono vem, hora de dormir.

Amanhã tudo se repete.

sexta-feira, fevereiro 02, 2018

Semeada

Se o amor nascer
do chão escuro onde não entra luz,
muda a brotar em silêncio
a crescer e encorpar
quando a chuva desce
em calmaria ou tempestade
de arrancar galhos enfraquecidos,
pois toda poda é boa,
e o sol brilhar como se nunca
houvesse poente,
florescerá, então, perfumará o dia,
o faro das abelhas e borboletas,
a fim de que haja trânsito,
troca,
e transa,
para da seiva bruta se gerar o fruto
livre do pecado,
que alimenta os pássaros, amadurece
e tomba
de volta à terra,
ao abraço das minhocas,
ao mistério que pisamos
sem darmos conta de tanto amor
há a renascer
bem abaixo de nós.

quarta-feira, janeiro 31, 2018

Matéria, mas não tanto

A sra. Ana era resoluta e decidida.
Acreditava no que estudava
e estava grávida da primeira filha.

Cria, quando morresse, que de vez
por todas acabaria.

Mas, quando calculava o fim da filha,
será no Céu, ela dizia.