quarta-feira, dezembro 10, 2014

Arca

Seria um dia desses, como outro qualquer,
em que os pássaros cantam
antes mesmo de o sol levantar
e já estão no beiral
quando abrimos a janela
e deixamos a luz entrar.
São eles que despertam o sol que nos desperta?

Num dia desses, numa poltrona qualquer,
em que nossos estômagos descansam
depois de tanto almoçar
e já estão prestes
a pedir por mais comida,
pousa uma pomba
branca como luz de altar.
É o sol que ilumina as penas que nos iluminam?

terça-feira, novembro 18, 2014

Vida vadia

Eu não sou meu.
Peguei-me emprestado.
Devolvo-me um dia.
Sem juros.
Fui mal remunerado.

terça-feira, novembro 11, 2014

Quarta-feira

Rabisquei
na minha agenda
um coração
vermelho
de caneta BIC,
daquelas de professor
corrigir prova.
Falava com a atendente
da Vivo
sobre um plano
bem equacionado
para ter
chamada ilimitada
com você.
A ligação alongou-se.
O rabisco
foi crescendo
minuto
a
minuto
e
por acidente
se sobrepôs
aos compromissos de amanhã.

sexta-feira, setembro 26, 2014

Praça de alimentação

Luz branca
paralisa o tempo.
Letreiros em amarelo
e vermelho.
Mesas parafusadas
ao chão.
Atendentes descontentes.
Estudantes a flanar.
Vó segura neto sorridente
enquanto mãe busca um sorvete.
Observadores e observados.
Espelhos nos pilares.
Negros vestindo preto
fazem faxina.
Mãe volta, pega criança,
bebê começa a chorar.
Senha apita e ilumina
os números em vermelho.
Condicionados
atrás de alimento.
Cuidado, chão escorregadio.
Passa um skatista com os dois
braços enfaixados.
Conversas, conversas, conversas.
Cheiro de produto químico
-- mais intenso que de comida.
Blá blá blá entope os ouvidos.

segunda-feira, setembro 15, 2014

Jugular

Quem vê cara
não vê coração.

Mas, pouco abaixo,
quem vê pescoço
-- enxerga, sim, a pulsação.

quinta-feira, julho 17, 2014

Caracol do tempo

Nas aventuras de David Luiz depois do hexa que não veio,
a manteiga ainda foi
o lado escolhido pelo pão
para cair no chão.
Nas aventuras de David Luiz depois
do hexa que não veio,
o sangue continua vermelho
a escorrer em rios
pelo solo brasileiro.
Nas aventuras de David Luiz
depois
do hexa que não veio,
o peixe-boi, o boto,
o dente do elefante
e a linha do horizonte
ainda valem um bom dinheiro.
Nas aventuras
de David Luiz
depois
do hexa 
que não veio,
as dentaduras
das senhoras maduras 
de tão gastas
já não mordem
a contento.
Sobraram comidas nos pratos,
que pararam nos lixos
durante todas 
as aventuras
de David Luiz
depois do hexa que não veio.
A guerra continua
para todo guerreiro.
O metrô se arrasta
de tão pesado
espremendo os passageiros.
As árvores crescem tortas
em meio aos fios de eletricidade.
As múmias seguem mortas
dentro dos sarcófagos do Egito:
as almas aprisionadas nas pirâmides; embrulhadas
em ataduras, as carnes
eternamente afastadas
dos vermes.
Nas aventuras 
do zagueiro
depois do título
que escapuliu
meu nome é Schweinsteiger,
o último que riu.

quarta-feira, julho 09, 2014

Manhã de feriado

Casais dormem até o meio-dia
depois da madrugada acesa.

A folha da árvore que não sei
o nome flutua sobre a praça XV
sem tocar a perna de ninguém.

Porteiros de prédios vizinhos
conversam aos gritos nos portões,
mas ninguém os ouve.

Os pássaros cantam espaçados.
Cães dormem enrolados.
O mendigo da Visconde de Inhaúma
traga o meio-cigarro que encontrou
ontem.

Berra pela rua o motor do circular
com motorista, cobrador,
senhor e senhora dentro.

Nos hospitais, os doentes respiram 
lentamente e continuam a morrer.

Maria Eugênia decide abandonar
a TV e assar um bolo de fubá.
Tobias interrompe um pensamento
para se lembrar de como é engraçado seu nome.
Carolina de repente abre os olhos e
agradece por ser ainda 8:33.

A moça do braço malhado
caminha à academia aberta até o 
meio-dia.

Chama a atenção do dono da banca
de jornal, que resolveu ele mesmo 
abrir as portas para não
arcar com 100% de hora extra.

O garoto desperta na cama dos pais
e cai em angústia
quando se lembra dos 7 gols da
Alemanha.

Minha avó espia a rua arcada
no gradil da sacada.
Um fantasma passa e ela não repara.

Um barulho de helicóptero
abafa o som de uma trepada.

Minhocas cavucam a terra do quintal
e as galinhas escolhem as mais gordas
para comer.

De repente, cheiro de incenso.

Na padaria, a freguesa bonita
pede para funcionária estranha
fatiar bem fino o presunto
e segura o pum para continuar bonita.

Céu com nuvens
feito ruas com trânsito.

segunda-feira, julho 07, 2014

As tardes

Passam as tardes com as bundas sentadas
em desajustadas poltronas de escritório
enquanto as nuvens deslizam seus corpos
de gás e alvor pela transparência
que permeia os imensos blocos
cinzentos e angulares destas cidades.
Perdem a vida os cotovelos
apoiados em ripas de compensado
que custaram mais do que valem
e cinzas e lisas como nunca
na natureza.
E os fios.
Atravessam os muros, preenchem os furos,
soçobram nos rios. E vão.
Transmitem cliques descompassados
carregam nos ombros as indomáveis angústias
e trazem em rédeas curtas o sapato
comprado cinquenta por cento off,
três vezes no cartão,
bem como a garota branca como as nuvens
mamas duras como o concreto
cabelo críseo feito os raios retilíneos
do sol
que não chegam até o escritório
devido a eterna sombra deitada
pelo Conjunto Residencial
Mont-Blanc.

terça-feira, junho 24, 2014

Centro

Um cachorro malhado que se espreguiça.
Um homem que para em frente a um moto-táxi e pergunta o resultado do jogo.
Uma lanchonete com x-salada em promoção.
Pessoas de cara triste no ponto de ônibus.
Uma fonte que não funciona.
Um sujeito perdido.
Uma senhora que cutuca o nariz achando que ninguém vai ver.
Mas, eu vi.
O motor ensurdecedor de uma caminhonete subindo a rua.
A transferência bancária que esqueci de fazer.
Uma pilha de microondas à porta de uma loja de conserto de eletrodomésticos
esconde o dono dos clientes.
Um Jesus Cristo enfeitado com fitinhas verdes e amarelas na entrada de uma
loja de santos.
Gente que caminha devagar e atravanca a passagem.
Carros alucinados esperando o sinal esverdear.
Céu de nuvens brancas e gordas.
O freio do ônibus que atrapalha a conversa do casal na praça.
A praça malcuidada.
Pombos às dezenas empoleirados nos fios de eletricidade
sujando de bosta a calçada de uma esquina movimentada.
Um pensamento sujo.
Edifícios residenciais com parapeitos arredondados.
Vendedoras cutucando as unhas e matando o tempo.
Cheiro de fritura.
Agência bancária ao lado de estúdio de tatuagem.
Uma moça bonita.
Outra.
Taxistas falando mal da prefeita.
Mulheres lindas nas capas das revistas.
Uma senhora escorada no portão vendo seu resto de vida passar.
E um mendigo deitado no estacionamento de uma loja para alugar
de paredes roxas
conversando alto
fazendo de celular
uma garrafa de Corote.

segunda-feira, junho 23, 2014

vento VOLTA

entendo
PORRA
nenhuma
do que você
escreve

lembro
de NADA
que os artistas
cantam

disfarço
e faço
que sou sabido

e rezo
sempre que posso
ao GOOGLE
velho amigo.

segunda-feira, maio 26, 2014

Jogo de luta

Street Fighter Four.
Escolho o Ryu
pois é o único
com que sei jogar melhor.

Baixo,
diagonal,
frente e soco.
Sai o hadouken 
-- UAU!
Ken defende
e revida com um especial
direto no meu rosto.

Bye, bye
metade do meu life.
Mas, sou guerreiro,
levanto e volto pra disputa.
Preparo o golpe,
tá cheia minha barra Ultra!

Rápido feito o pensamento
meu polegar esquerdo faz o movimento.
O poder, porém, não sai.
Em vez do golpe,
o personagem pula.
Ai!

Ken não perdoa
e mete logo uma voadora!
Ryu levanta jururu,
a cabeça cheia de estrelas,
voando em círculo feito urubus.

A partida já tá perdida.
Ken toma a distância certa,
pega fogo no braço
e grita:
SHORYUKEN!

K.O.!
Mais um perfect
pro meu currículo
de derrotas.
Que bom
que já acabou.

sexta-feira, fevereiro 14, 2014

Do outro lado da grade da janela

A pomba belisca 
e sacode
os galhos finos 
da jaboticabeira
em busca daquele
seco
que se solte
e lhe sirva
ao ninho.

quarta-feira, fevereiro 12, 2014

Bjim

Beijinho no ombro,
pra você que é do quilombo.

Beijinho na nuca,
pra você que é minha truta.

Beijinho na testa,
pra você que adora festa.

Beijinho na 'checha,
pra você que entende a deixa.

Beijinho na boca,
pra você que é muito loka.

Beijinho na bunda,
pra você que é raimunda.

sexta-feira, janeiro 31, 2014

Jota Jota Anatomia

Meu nome é José,
frieiras no pé.

Meu nome é João,
cabeça maior que um balão.

Meu nome é Jair,
magro feito um faquir.

Meu nome é Jean,
jovem feito o Peter Pan.

Meu nome é Joaquim,
quilos de pedra no rim.

Meu nome é Jonas,
tripas longas como o Amazonas.

Meu nome é Jackson,
mãos trêmulas de Parkinson.

Meu nome é Jorge,
juntas duras de ciborgue.

Meu nome é Júlio,
ouvidos frágeis não suportam barulho.

Meu nome é Jesus,
estômago de avestruz.

quinta-feira, janeiro 02, 2014

Poeminha de Ano Novo

Passarinho caiu do ninho
no segundo dia do novo ano.
Pequena poça de sangue debaixo do bico.
Corpo torto agoniza no chão.
Passarinho condenado não tem nada com isso,
mas serve para nos lembrar
que morte faz parte da renovação.