domingo, fevereiro 07, 2010

Fundo do baú 19

E um dos preferidos de todos os tempos:

CABELEIRA IMPOSSÍVEL

Não é minha boca que fala por mim.
São minhas entranhas
que se torcem
e cospem estas palavras
estranhas.

Se tropeço no caminho
não é meu dedo que se arrebenta,
não é minha unha que roxeia.
Da virilha ao mal de Aquiles,
é toda perna que apodrece.

Quando penso, não é
a cabeça que me dói.
É o estômago,
que se retrai, escurece
e implode, chupando
todo o resto para si.

Quando beijo, não são
meus lábios inchados,
nem minha língua vermelha
ou meu gosto indiscreto
que você sente.
É o meu peito,
que estoura e ejeta
para todos os vasos,
o mais bem guardado sangue.

Minhas costas doem,
mas não são elas.

São os cabos de aço, presos
nos discos da coluna.
As outras pontas,
eu não as vejo.
Eles saem e sobem e se
perdem lá em cima,
trançando com outros
cabos uma cabeleira impossível
- que sustenta bilhões
de corpos
tão pesados, tão rígidos,
tão tortos e pequenos
como o meu.

Fundo do baú 18

FIM

Com os olhos em lágrimas
ela foi-se embora.

Lá vivera amores
e dores.
Sofrera por tapas e flores.

Em perfumes e vinhos
entorpecia-se.
Com carícias e versos
encantava-se.

Milhares de beijos,
milhares de abraços...
Quando nem os desagrados
aflingiam-na.

Contudo, tudo tornou-se velho.

As cores, aos poucos, desbotaram.
Lustres e vitrôs quebraram.
E os cupins, gordos, engordaram.

Onde se dançava sobrou o vento.
A música dos instrumentos
agora é resto de memória...

E os olhos que as olhavam
já alimentam os vermes.
Os sorrisos e beijos e braços...

Onde se fodia
não se fode mais.

Onde ela era rainha,
ninguém se lembra.

Fundo do baú 17

???

Parados na esquina
conversavam, aos risos,
dois filhos da burguesia,
ferindo a noite muda.

Eis que se aproxima,
vindo não se sabe donde,
o velho guarda noturno...

Dá-lhes boa noite,
recebe-lha de volta.
Tratam-se de velhos conhecidos,
meninos ali da rua.

Frio, bastante frio...
Calma, bastante calma...

Conversa vai, conversa volta
e a incrementar
o que contava, mostra-lhes,
o guardinha, seu grande segredo:
uma arma!

De súbito, puxa-a para si
um dos rapazes...
Um para o guardinha,
um para o amigo,
outro pra cabeça.

Caem os três mortos,
acordando a vizinhança,
manchando a calçada
e encerrando nossa história.

Hehehe!

Fundo do baú 16

POEMA BOBO (PARA SER ESQUECIDO)

No banho surgem-me poemas
Gota a gota
Verso a verso
Enxugo-me
Somem todos

Novo banho
Novas gotas
Novos versos
Enxugo-me
Somem todos

Não adianta
Os versos de um banho não são
Versos de poema
Surgem
Para serem esquecidos

Fundo do baú 15

POEMA ESCATOLÓGICO

Vá ao banheiro,
arrie as calças,
sente e faça força.

Mire o resultado
e veja:
eis o apelido
do mais inocente
aluno da terceira série:
cocô,
ou melhor, Cocô.
Pois virou nome próprio.

Para a loucura da mãe
(escolhera um nome tão bonito!)
a maldade não parou
por aí.
O menino cresceu
e virou moço.
Hoje, com vinte e dois,
Cocô já não existe.
O apelido cresceu junto:
todo mundo fala
Merdão...
- E ele atende!