sexta-feira, julho 24, 2009

Espinha

Viver é se fuder, pensava em voz alta João Josefino, debaixo do chuveiro, depois de tomar dois quarteirões de chuva na cabeça.
Quando a gente se fode, a casca engrossa, aprende na marra, na porrada, enquanto tá ainda tonto do cacete. Cambaleia, cai, levanta e continua. Assim pensava ele, enquanto tirava xampu da orelha.
Se fosse um dia de azar, vá lá, mas João não andava bem com a vida. Sozinho, sem niguém pra telefonar, dois ônibus por dia, ida e volta, dinheiro curto, trabalho chato e intenso. Almoçar almoçava, mal. Jantar era um copo de leite, chá da tarde, bolacha água e sal. Café da manhã, água sem ser gelada, pra não dar arrepio no dente.
Viver é se fuder. E em se fudendo, a gente vai vivendo, dizia ele, enquanto desenhava um Snoopy feito de CU no box do banheiro.
30 anos e a careca crescia. O ralo cheio de cabelo. A pança branca e redonda das cervejas que bebia sem ninguém, sentado na padaria da esquina. Depois subia, assistia TV no escuro e amanhecia com um raio penetra de sol, que a cortina furada não tapava às 6h30 da manhã.
O dia ontem foi quente. 10 pilhas pra terminar. Quanto mais trabalho, mas raiva de Margô, a perua ruiva de aparelho no dente sentada ao lado. Não que lhe fizesse algo, mas o perfume era muito doce àquela hora. João, nosso querido, cuja má vontade era deste tamanho, então trabalhava com marra maior ainda.
No ponto, o ônibus chegou lotado. 1h depois, pegou outro - cheio um pouco mais. Chegou onde descia - e chuva! Molhou o gibi do Batman que havia adquirido. Só chove nesta cidade bendita!
Namorada não tinha, rolinho não tinha, nem uma boa vizinha pra se olhar da janela do prédio. Os amigos tavam longe, o melhor já havia morrido - bem como o pai mala e a mãe gorduchinha.
Restava ele, João Josefino, enxugando as costas defronte ao espelho, examinando o pus duma espinha que brotava da testa e dizendo a si mesmo: fuder é se viver.

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